quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Travestis saem do Submundo

A Lapa, bairro carioca próximo ao centro da cidade, é ponto de encontro de diversas tribos e classes sociais. Apesar de fazerem parte do submundo da noite do Rio de Janeiro, travestis atraem a atenção dos curiosos que passam pela Avenida Mem de Sá, onde esses personagens praticam a prostituição e ficam ainda mais próximos da cena carioca. O que pouca gente sabe é que muitos deles são pessoas estudadas, se prostituem por uma opção, e levam uma vida comum durante o dia.

No ramo das profissionais do sexo transexuais há determinadas regras que são respeitadas rigorosamente. Cada zona de prostituição é dominada por uma líder. Cada travesti deve se limitar a fazer programas em uma área da líder a quem ela preste contas, e não podem se prostituir em áreas chefiadas por outras.

Na Lapa, os transexuais são chefiados por Luana Muniz. Um travesti com trejeitos e curvas femininas, de cerca de 1,80m de altura e voz forte, fica na esquina das avenidas Mem de Sá e Gomes Freire. É conhecida como Rainha da Lapa, e permanece sentada em seu trono, conversando com os transeuntes. Nos meses de maio e junho deste ano, foi tema de exposição de fotos na Galeria LGC Arte Contemporânea, no Centro do Rio. É conhecida e respeitada por todos que trabalham na região. Com 51 anos, Luana é prostituta de luxo e faz shows beneficentes para órgãos como o Hospital do Câncer.
- No meu tempo os travestis viviam mais uma vida noturna. Hoje em dia nós vivemos uma vida diurna e noturna. Eu sou uma pessoa como outra qualquer, eu pago meus impostos, vou ao banco, ao super mercado. E a noite eu estou aqui, porque é um direito que eu tenho – explicou el, que diz se prostituir por que gosta.

Quando perguntada sobre seus clientes, ela desconversa. Segundo Luana, travestis seguem um código de ética e não podem divulgar detalhes sobre a clientela deles.

Luana começou a se prostituir aos 11 anos e “se montou” – termo utilizado por elas para a transformação do corpo masculino em feminino – aos 13 anos. Apesar de estar fazendo programas, não largou os estudos e concluiu o Ensino Médio. Hoje é agente de saúde especializada em doenças sexualmente transmissíveis, dá palestras em universidades e orienta os colegas travestis.

- Meu trabalho social é por uma questão de generosidade, de compaixão – afirma ela, que prefere trabalhar como prostituta a ter um emprego formal. Assim não possui um chefe.
- Eu sou patroa de mim mesma. Até porque vocês estudam tanto, morrem e às vezes não compram nem uma casa. Eu sou proprietária de 14. – revela.

Para fazer valer os direitos dos travestis, Luana participa de congressos e é uma das líderes da Associação das Profissionais do Sexo do Gênero Travesti do Rio de Janeiro (AGENTTE). Quando agredida, recorre à polícia.
- Em último caso, eu vou prender o cabelo e sentar-lhe o cacete – brinca ela, que afirma que, quando entra em uma briga, não apanha.

Outro travesti da Mem de Sá é Jordânia. Nascida em Natal, no Rio Grande do Norte, começou a se prostituir aos 15 e a modelar seu corpo aos 16 anos. Hoje, com 24, é prostituta e é formada em Geografia..
- Eu ia travestida para aula, as pessoas discriminavam. Mais do que aqui. E a gente tem que enfrentar a sociedade mesmo. Para eles eu dava só a indiferença.

Jordânia revela que possui três personalidades: a de mulher, a de travesti e a de homem. Ela diz se sentir mulher quando está na cama com um homem. Em seu dia a dia normal, ela se considera travesti. Mas assimila a masculinidade quando precisa brigar. Ela alega que muitos dos clientes dela não querem pagar pelo programa.
- Aí vem o meu lado homem – afirma Jordânia que, assim como Luana, sabe se defender. Segundo elas, a história contada de que travestis atacam os homens com navalha – conhecida como “navalhada” - são casos raros nas décadas de oitenta e noventa, e não existem mais.

Entre os que buscam os serviços de Jordânia, estão homens (segundo ela, maioria), mulheres e casais. Ela expõe que já teve relações sexuais com mulheres em programas, mas que não gosta. “Tô lá pelo dinheiro”, ela diz.

Jordânia, que cobra R$ 50 a hora, declara que muitos dos homens que a procuram, buscam relações em que possam ser passivos. Segundo a psicóloga Beatriz Mendonça, isso acontece porque eles buscam uma relação bem diferente das que eles costumam ter.
- Para eles, uma relação com um travesti não caracteriza uma relação homossexual, embora ela de fato seja. Para eles é só algo diferente – explica a psicóloga.

Jordânia e Luana se consideram felizes na condição de feliz.
- Próxima encarnação não que voltar nem mulher nem homem. Quero voltar travesti – expressa Luana.

Jordânia se vê no futuro estabilizada e não pretende ser travesti para sempre.
- Cabeleireira, talvez – diz ela.